Como fazer do “ground work”, ou “trabalho de base” uma oportunidade para seu cavalo se divertir enquanto trabalha
* por José Luiz Jorge
Durante muito tempo aqui no Brasil o trabalho de base, aquele que fazemos desmontados, foi subestimado. Depois, foi introduzido pelos que passaram a adotar aquilo que na época se chamou de “Doma racional”, na fase de preparação e iniciação, cabresteamento. Uma vez terminada essa fase e iniciada a doma de cima, pouco se voltava a fazer em termos de trabalho de base.
Com a evolução do conhecimento sobre a natureza dos cavalos, seus padrões de resposta e com a introdução da filosofia de trabalho dos notáveis “horsemens” norte-americanos, aumentou também a nossa percepção da importância do trabalho de base.
A doma racional, que ainda é a mais usada no país, deu boas contribuições à melhoria da qualidade dos cavalos, seja para uso nos esportes ou no lazer e no trabalho. Mas, a filosofia de trabalho que adotamos, o HORSEMANSHIP, estabelece novos marcos nesta relação milenar:
a) o reconhecimento da sua natureza como animal de fuga e de manada, cuja emoção dominante é o medo;
b) ligado a isso, o reconhecimento do seu direito de usar seus instintos de auto- preservação;
c) o estabelecimento de uma relação entre homem e cavalo, do ponto de vista dele;
d) o aumento da nossa sensibilização, a necessidade de aprenderemos a LER o nosso cavalo a cada segundo, de observar os sinais claros que ele emite em sua própria linguagem, a usarmos o que o Borba chama de FEEL- intuição;
e) aprendemos a respeitar o TEMPO de resposta de cada cavalo que é único e diferenciado como eles são. Seja no redondel, seja no trabalho montado o tempo é dele e não nosso, o que nos obriga a trabalhar o esvaziamento de nossa visão caprichosa e autoritária, nos leva à necessidade de merecer liderá-los;
f) a refinar nossa maneira de solicitar ações e respostas, a sermos mais precisos na hora da AÇÃO, reconhecendo que se um cavalo não faz o que lhe foi pedido, isso pode ser também por problemas mais nossos do que dele. Ele pode não ter entendido o que foi pedido, podemos ter adotado uma atitude contraditória, pedindo duas coisas diferentes ao mesmo tempo por erro de postura ou expressão corporal descuidada ou ele não teve tempo de responder.
Nesse cenário de evolução, é claro que o trabalho de base teve sua importância revalorizada.
Nós, no Rancho São Miguel o adotamos diariamente, não apenas no trabalho de iniciação dos potros marchadores que começaram a nascer por aqui. O adotamos dentro de uma escala diária para as éguas de cria, de marcha, e para cavalos de passeio e trilha.
Esse trabalho, aliado ao manejo natural, às rotinas diárias os torna a cada mais compassivos, generosos e cooperadores. O trabalho de base, seja à guia, rédea longa ou em liberdade ajuda desde o aquecimento, nas transições, na associação de comandos de voz aos expressivos comandos do horsemanship no redondel. São repetidos em sessões de 30 a 40 minutos que culminam com a conjunção e acompanhamento.
Mas, com o tempo isso que era simplesmente maravilhoso, como se viu nos livros, acaba ficando enfadonho e rotineiro demais.
Foi então que tive contato com as clínicas de Clinton Anderson e seus programas de treinamento para trilhas.
E fiquei certo de que ele sentia o mesmo e inovou. Criou um chamado “creative ground work” e introduziu com método e segurança uma série de obstáculos divertidos que quebraram o que se tornava o entendiante trabalho de base no redondel.
Entre os ganhos que essa abordagem trazem estão:
1. Melhoria da sintonia fina no trabalho para torná-los mais responsivos, modela a sua atitude e obediência voluntária e desenvolve seus músculos , atleticamente.
2. Termina o tédio e a chateação de rodar para direita e esquerda, a passo, trote e galope. Principalmente os cavalos jovens, naturalmente curiosos passam a gostar das sessões de trabalho de arena que ficaram bem mais interessantes e estimulantes.
3. Reforça sua capacidade de liderança sobre ele, conseqüentemente reforça a confiança dele em você.
4. Fortalece o ele entre ele e você e ele sente que está mais capaz de superar desafios viáveis, com dificuldades crescentes, sem castigo, sem a pressão do trabalho hípico numa fase da vida em que ele precisa consolidar o aprendizado e não se rebelar contra os exercícios. E o melhor de tudo é que com o trabalho de base mais criativo e divertido tanto o horseman quanto o cavalo nem sentem o tempo passar.
Como utilizar o trabalho de base criativo segundo Clinton Anderson
Prepare um percurso avançado para eles fazerem diariamente usando obstáculos naturais, obstáculos que favoreçam situações para o cavalo negociar com você a sua ultrapassagem. Ele tem que investigar, sentir, te seguir e experimentar. São obstáculos que amanhã ou depois, quando ele estiver trabalhando de verdade, ou fazendo um enduro ou uma prova de resistência ou mesmo uma trilha ele poderá encontrar pela frente.
Troncos de diferentes calibres colocados no percursos a distâncias irregulares, tambores deitados, caixas cavadas no solo com ou sem água em pisos não escorregadios, morros artificialmente colocados como os de uma pista de motocross, de curta distância, todos eles colocados dentro ou fora do redondel ou do piquete de trabalho.
Comece sempre conduzindo ele à guia para passar a passo, depois dele poder cheirar, observar, sentir a novidade. Depois e sempre à guia longa, conduza-o no trote, quando então ele já poderá saltar os mesmo ao invés de apenas passar por eles.
Aqui a questão não é para ser confundida com as provas caninas de agility, mas a de construir um espaço de convívio divertido, que introduz o potro no cenário do seu futuro, de um modo leve, como de fato seria se ele tivesse um jardim da infância. Com certeza, em alguns dois ou três anos, você e seu cavalo farão qualquer pista juntos enquanto se divertem e aí os resultados serão duradouros.
* José Luiz Jorge é Horseman e proprietário do Rancho São Miguel e membro do C.H.A. – Certified Horsemanship Association – Autor do Livro Conversando sobre Cavalos.