* Por José Luiz Jorge
As mudanças dentro do nosso Cavalo começam com as nossas mudanças
Nunca podemos ter com nossos cavalos um olhar terno e excessivamente tolerante. Isto porque em seguida descobriremos que nosso cavalo se torna o nosso espelho. Temos de ter um olhar verdadeiramente honesto a respeito de nós próprios. Crescemos no meio ouvindo de tradicionalistas que os cavalos seriam estúpidos ou teimosos. Eles sempre disseram que são difíceis de treinar e de entender o que lhes pedimos.
Às vezes muitos treinadores contemporâneos acabam escorregando e repetindo que eles são médios ou “difíceis” e que podemos ser pegos absorvendo idéias do tipo “que temos que dominar física ou mentalmente nossos cavalos”. Mas nada disso faz sentido. Cavalos não querem ter medo, pedem a oportunidade de poder confiar no ser humano, com quem colaboram há milênios.
Diante da nossa aproximação relincham, abanam a cabeça, mas ao sentirem-se ameaçados pelo cheiro da nossa adrenalina primeiro fogem ou se isso lhe for vetado, murcham as orelhas, escoiceam por invadirmos o seu espaço vital ou por lançarmo-nos em torno deles de modo abrupto. Eles não são teimosos, não são problemáticos e muito menos tem má índole, nem são maldosos.
Como animais de manada os cavalos são criaturas extremamente sociais. Sua sobrevivência como espécie depende muito de seu poder adaptar-se e trabalhar com outros cavalos e ainda outras espécies, como a nossa, por mais dor que lhes causamos ao longo de milhares de anos. E isso está em sua memória genética, “somos uma ameaça”.
E eles fazem-no muito, muito bem. O desenvolvimento de uma relação de trabalho com seu cavalo é muito mais do que apenas usar à moda atual do clique instantâneo e da reposta imediata em bits da informática e da tecnologia a que nos condicionamos a usar. Saber onde colocar suas mãos, decidir quando dar uma sinal com sua perna ou saber se expressar na linguagem corporal, criando uma sintonia fina com ele, no tempo dele, ter a humildade de saber pedir e aliviar a pressão no exato instante em que ele começa a responder. Toda a responsabilidade na construção da confiança é do Cavaleiro.
Isto porque temos as melhores ferramentas e técnicas de conhecimento eficazes, sabendo o quanto são obviamente importantes. Mas, se você quer criar uma mudança no comportamento do seu cavalo, a primeira e mais importante alteração deve ser no seu próprio pensamento. Quando fizer isso, você e seu cavalo desenvolverão uma parceria que realmente funciona, e vão gozar o prazer de uma dança bonita que é satisfatória para ambos.
Desenvolver essa parceria, no entanto, pode ser um verdadeiro desafio
Quando fiz meu primeiro curso de “Horsemanship” e ouvi depois as diretrizes do mestre Eduardo Borba, repetidas depois em uma demonstração que ele fez em nosso Rancho, muita coisa começou a fazer sentido e percebi como se tivesse aprendido a falar um idioma novo e mundial, a linguagem própria do Cavalo.
Às vezes trabalhando através de exercícios com um novo e desconhecido cavalo que me trazem em casa é como estar em um quarto escuro à procura de outro lugar. Você tateia por meio da sala até encontrar uma porta com uma luz sobre ela.
Rapidamente através de um toque no tão procurado interruptor se vê uma sala nova e muito diferente. Esta sala está cheia de luz que permite ver e fazer muitas outras coisas mais, sem precisar “arrebentar os joelhos na quina dos móveis”.
Esse interruptor é um pedaço do exercício que você está fazendo com seu cavalo quando você finalmente vai poder vê-lo de um modo diferente. Você não vai alterar o exercício ou mesmo uma parte dele, mas você vê-lo de um ponto de vista diferente. É como um versículo da Bíblia ou um texto de filosofia. Você lê uma vez e ele significa uma coisa. Em seguida, seis meses ou anos mais tarde, pode significar algo diferente porque você teve uma experiência nova e agora pode ver coisas sob uma nova luz.
Feche este artigo agora, suspenda a leitura e vá lá fora dar uma olhada no seu cavalo. Consulte-o. Lá ele assume um significado. Veja-o comendo ou se esponjando ao sol ou se comunicando com um cavalo amigo. À sua chegada a atenção dele pode ser desviada para algo novo fora do limite, mas quando ele identificar que é você e depois que ele tiver percebido que não se trata de uma ameaça que pode prejudicá-lo, ele volta para o que estava fazendo. Essa é sua natureza, que tem de ser compreendida e respeitada.
Se o vento está soprando e ele está se sentindo numa boa, ele pode saltar um pouco, correr alegre pra cá e para lá, mas essencialmente um cavalo é uma coisa bastante tranqüila para se assistir. Mas, se uma tempestade se aproxima, que leitura você faz de seus sinais? Ele agita a causa, bufa, corre como que em busca de abrigo, roda em torno de si mesmo, abre as narinas, levanta a cabeça como a perceber de que lado vem a chuva.
Uma das primeiras coisas que fazemos nos cursos que ofereço é quebrar o modo automático, instantâneo com que tocamos a vida urbana e num contraponto à correria ativa paramos para assumir um posto de observação, de leitura dos sinais corporais, se necessário durante meio dia. Quando puder compreender o que é o Cavalo, como ele age, o que é importante para ele, quando está em grupo, como a mente dele funciona, pode-se pensar em querer comandá-lo, o que de fato vai ocorrer, se você merecer essa condição de líder aos olhos dele.
Que coisa agradável é o interruptor que estamos procurando. Todos os cavalos querem a mesma coisa que buscamos — Paz. Queremos estar em paz com nossas famílias, para termos um ambiente saudável, para minimizar o estresse. Com seu cavalo se passa o mesmo. Sua presença não pode representar uma perturbação agitada, intempestiva, urgente, irritante. Ele pretende obter junto com você e seus amigos, um espaço para relaxar, ter alguma variedade em sua rotina e poder escolher trabalhar e se divertir com você. A sua responsabilidade é fazer ele se sentir bem e adequado. Algo talvez parecido com educar uma criança e já se sabe que ninguém aprende nada apanhando.
É um conceito que chega a ser inconveniente e radical para as pessoas. Infelizmente, uma grande formação “tradicional” é voltada para “controlar” ou “submeter” o seu cavalo. “- Ele tem que saber quem manda”. Muito mais para satisfazer seu ego para obrigá-lo a fazer coisas que ele não pretende fazer. Você não precisa fazer seu relax terapêutico a cavalo às custas de tirar a Paz dele. Você só precisará mostrar-lhe em que situações de exercício e trabalho ele poderá continuar sentindo-se bem.
O cavalo quer relaxar e apenas seguir a passo para o piquete de trabalho, o redondel ou a pista. Ele quer ser suave e fácil quando ele muda de apoio e troca de mão em meio a um galope, com naturalidade. Ele quer fazer um salto de forma limpa e ele quer ser capaz de controlar e apartar aquela vaca, porque estas coisas podem ser divertidas para ele e para você. Encarar o treinamento e o trabalho desse modo não faz que tenhamos cavalos mais descontraídos e felizes? Cavalos são exatos espelhos de nós próprios. A parte mais difícil do objetivo de alterar o comportamento em nossos cavalos, (você deve estar percebendo onde quero chegar), é que temos de mudar nossos próprios pensamentos e atitudes. Assim vamos ver nossos cavalos de forma diferente.
Quando fizermos isso, eles irão responder diferente, tornando seu trabalho e o deles, muito mais fácil. Com diz Mary Twelve Poonies, não existem Cavalos-Problema, só Cavaleiros-Problema.
* José Luiz Jorge é proprietário do Rancho São Miguel, horseman e instrutor filiado ao CHA e autor do livro Conversando sobre Cavalos