Morreu dia 22 de maio depois de mais de 15 horas de luta pela vida, o meu cavalo querido, parceiro de trabalho, um professor, há mais de 12 anos ao meu lado. Meu querido GIM LHL, Mangalarga, alazão, filho de Huno do Geresim, um cavalo de carater franco, dono de uma energia intensa, morreu aos 16 anos de vida. Cavalgamos a ultima vez na véspera e passei com ele seu ultimo dia lutando desde as 7h00 – um baita parceiro, baita cavalo e amigo.
A história dessa aliança entre cavalo e cavaleiro começou despretensiosamente na serra da Cantareira, em um domingo pela manhã de 1998. Sai para comprar uns produtos naturais e uns travesseiros de plantas medicinais e na volta passei pela Estabulagem Santa Rita que o amigo Caio Cunha tocava na Serra.
Chegando lá ele me recebeu e me apresentei falando que estava morando por lá há pouco mais de um ano e já tinha alugado umas éguas dele para passeios, que tinha gostado, falamos dos Mangalarga, e ele sorrindo todo animado exclamou, – cara tenho o cavalo ideal para você e veio com um potranco de 4 anos, inteiro, extremamente agitado, um cavalo quente, com pouco trabalho e muito gás.
Montei para experimentar e o comprei parcelado. Comprei sela, manta usada, cabeçada e a partir daquele dia a minha história com os cavalos entrou em um capitulo novo, que abriu a porta para que uma antiga opção de vida começasse a ser construída.
Não é exagero de linguagem dizer que aquele Cavalo começava a mudar minha vida.
Cada saída com ele da estabulagem era um espetáculo à parte. Cheio de bardas, era colocar o pé no estribo e ele começava a subir. – Montava e ele empinando saia em duas patas e ” eu ia lendo os numeros dos transformadores”, passada a explosão, abaixava e só se alterava ao ver, sentir o cheiro ou pressentir a presença de éguas no cio em qualquer lugar há tres quilometros de distância.
Caio, sem duvida me passava muitas dicas, e eu usava o cavalo 3a, 4a, 5a, sábado e domingo.
Foi nesse momento que ao me preparar para uma saida com GIM, que conheci o Luciano Travia, que acabara de comprar na mesma estabulagem, um cavalo Mangalarga, inteiro, o IGLU e desde que saimos juntos na primeira cavalgada continuamos amigos irmanados pelo Cavalo até hoje,
Estressado ou cheio de pressões de uma vida ainda urbana e com milhares de questões pessoais a serem resolvidas, chegava à noite na estabulagem e saia sozinho com ele, em estradas, trilhas na serra, aprendendo a ler o cavalo, a ter que confiar no animal e a chegar nele baixando a adrenalina para ter algum resultado.
Logo vieram as primeiras éguas mangalarga, potras, e tive de sair da estabulagem para uma propriedade arrendada e dar um contorno mais profissional ao convivio com o cavalo que logo passou a ser diario porque mudei e fui morar no então recém criado Rancho São Miguel.
Trabalhar com o GIM me obrigou a ler tudo sobre comportamento do cavalo, desde os romanticos e ingenuos como “o encantador de cavalos”, o então recém lançado “O Homem que ouve cavalos” do Monty ainda em inglês, até livros mais profissionais como o fantástico ” There are no problem horses, only problem riders”, ou seja, não existem cavalos problema, apenas cavaleiros problema, de Mary Twelveponies”,
Passei para os livros dos cientificos, como a Psicologia do cavalo I e II, livros franceses, tudo para entender e me integrar ao que GIM, o quente, queria me comunicar.
Fui ao I Encontro Internacional de Horsemanship, conheci o Borba, que logo em seguida veio ministrar um curso em casa.
Quando trabalhei com GIM em liberdade no redondel, fiz a conjunção e montei nele a pelo assim que ele aceitou minha liderança, foi como aprender um novo idioma, descobri um mundo novo e pouco a pouco fui me tornando um cara melhor, mais centrado, e devo isso ao GIM.
Cavalgadas de dia todo, cavalgadas com 30, 40 pessoas, saidas de dois dias, e quando mais GIM era equitado e nos comunicavamos em um novo patamar, melhor ele respondia e oferecia novas possibilidades de aprendizado mutuo.
Aprendemos a recuar, a espinar, a esbarrar, os exercicios basicos de equitação, arco-reverso, a engajar e desengajar e GIM era um convite permanente a novos passos, passando a montá-lo a pelo, e depois sem embocadura, ainda no piquete.
Fazia com ele mais do que se pedia em monotonas provas da raça, na época não existiam as funcionais, mas GIM aprendeu a ladear, abria qualquer porteira, e então quando ele viu pela primeira vez, o gado solto em campo? Ficou animado demais e pouco a pouco adquiriu o costume de campear.
Nesse ocasião o Rancho São Miguel tinha crescido, tratavamos de mais de 30 cavalos de pensão, para em seguida eu decidir sair do Mangalarga e começar no Marchador.
Troquei as éguas e potros paulistas por éguas MM, mas conservei GIM como meu cavalo de uso e trabalho.
Por essa decisão, tive de optar pela castração dele, já que não iria conservar um garanhão Mangalarga em um grupo de éguas MM.
Gim conservou seu espirito franco, sua energia e sempre ao chegar no rancho ele relinchava, como que me chamando, ou quando Sueli, minha esposa, chegava na baia e chamava “GIM o mais lindo de todos” ele parecia entender e ficava faceiro agitando a cauda feliz. O ritual das saidas quando às 6h30, 7h00 eu o tirava da baia, ele comunicava uma grande alegria e saia em sua marcha troteada extremamente confortável.
Os anos passaram, chegamos a mais de 22 cavalos em casa, os cursos se sucedem, passeios, e sempre me referi aos demais cavalos e éguas como : – “essas são as éguas de cria, aqueles os potros de ano, de sobreano, essa a égua nova que chegou essa semana”, mas apenas GIM, “esse é meu Cavalo”, como se os demais não fossem nossos também.
GIM nunca deu sinais de que o tempo passava, e raras as vezes me dei conta de que ele passou dos 13, dos 14, 15 e 16 anos.
Sempre trabalhava com ritmo, regularidade, encaixando a cabeça e alongado a passada. Todos cavalos da região, inclusive campeões de marcha, premiados, etc, só o acompanhavam tendo de galopar, sua marcha chegava facil a 15km por hora, ele voava nas estradas e trilhas, um cavalo com encaixe perfeito de ritmo com seu cavaleiro habitual.
Franqueza de atitudes, seriedade, comprometimento, eram qualidades visiveis e marcantes dele.
Até que chegou nossa ultima cavalgada, de seis quilometros apenas, mas como saber que seria a ultima?
Na volta ele deu sinais de cansaço, sem que tivesse forçado o ritmo, ao contrario cavalgamos a passo a maior parte do tempo.
Chegada, banho, ducha nas pernas, feno fresco e ele comeu bem para amanhecer no dia seguinte com uma estupida torção aguda de alça intestinal que ocorreu a noite.
GIM, como diziam os Apaches, agora cavalga nas pradarias do Grande Espirito.
Em respeito a ele, em sua luta pela vida, todos os demais cavalos permaneceram silenciosos, os caes não latiram o dia todos, e ao final da jornada ele descansou sem sofrer, sem se debater. toda a terapia de apoio, soro, analgesicos, permitiram que ele tivesse uma passagem em paz, triste mas serena. Nos despedimos e ele olhava intensamente para mim enquanto esteve deitado com a cabeça no meu colo por mais de uma hora.
Adeus GIM.