Como aumentou o número de potros escolarizados aqui no Rancho São Miguel, tanto nossos quanto de fora além dos cavalos que reabilitamos retomando do zero, costumo estudar, rever e revisar nosso próprio trabalho.
Incrível como eles nos ensinam sobre suas personalidades e sobre quanto tempo cada um precisa para confiar que, naquelas novidades apresentadas com cuidado, não existe o perigo de vida que eles sentem.
Como fica claro com cada um que suas reações de defesa e fuga são ainda confundidas por esse país afora como sendo reações de cavalos ditos nervosos, perigosos e quanta gente castiga potros para que não se defendam, em vez de atuar no tempo de cada um, entendo a linguagem natural de pressão e alívio, para então aliviar no momento exato que tentam fazer o seu melhor.
E alerto para a necessidade de sempre se colocar no lugar do potro, aprender a ler suas expressões de tensão, medo, sem alterar sua adrenalina e sentir-se desafiado por eles, porque não se trata disso, nunca.
É bem importante admirar o potro por suas tentativas de fazer o certo. Um passo dado com uma sela pela primeira vez, sem tentar tirá-la de cima é um baita avanço. Um primeiro passo com o peso de um cavaleiro em cima é sempre o mais difícil e o que melhor pode acontecer é o potro, mesmo tenso e com medo, mostrar e pedir se pode confiar em você e aos poucos ele ir relaxando na sua mão.
Ao fim de cada sessão que não pode ser exaustiva ou dolorida, é essencial você poder estar ao lado dele por um tempo depois do trabalho, ter uma conversa sem palavras, estar lá ao seu lado, abraça-lo, sentar na grama para ele pastejar a seu lado, ou dar banho e estar na baia ao lado dele por um tempo, como dizendo… “sou seu parceiro, sei que não foi um dia fácil, foram novidades duras, mas sobrevivemos a elas, podemos ser parceiros aqui ou montado cavalgando em seu dorso”.
Quando o potro se apavora, acredite, que se você mantiver a calma, sem criar a espiral de medo, fuga, pânico, ele rapidamente presta atenção em você, na sua calma e se acalma.
Algumas chaves são essenciais, como usar bons equipamentos, nada que cause dor ou incômodos desnecessários além da novidade em si.
Usar muito a linguagem corporal, de pressão e alívio, trabalhar o mais possível sem contenção física, dando a ele a opção de se afastar, mas que bom que é quando ele opta por si mesmo a permanecer ao seu lado, explorando a curiosidade natural deles, do que vai dar aquilo tudo.
Como uma criança que sai do jardim da infância e entra na pré-escola e primeiro ano, os primeiros dias de aula, tenho certeza que você se lembra da sua primeira professora, para o bem ou para o mal que aqueles dias representaram na sua vida, na sua formação, com eles se passa o mesmo.
Não é preciso loucura no treinamento, violência não faz parte dessa história, não o esprema com correias além do mínimo necessário, não use metais ou ferramentas pontiagudas, não tolha o movimento natural do pescoço deles, a ajuda de rédeas foi ensinada na fase do doma do chão, ele já sabe nessa altura o que significa um leve toque nas rédeas, não dê chamadas duras na rédea e embocadura, ou se for no hackamore no nariz dele.
Não queira que nas primeiras dez montadas ele saia como se já soubesse de tudo, porque nessa fase da doma de cima, o primeiro desafio é ensiná-lo a deslocar-se com um peso extra que muda seu centro de gravidade e equilíbrio. Lembre-se que onde ele tem as patas está a sua mente.
Cada novidade deve ser alimentada na confiança mútua.
Apresentou a sela, quando for colocar peso no estribo na primeira vez faça uma leitura dos sinais corporais dele, se estiver parado estacado nas paletas, com as mãos abertas, o pescoço tenso, olho arregalado, não monte ainda, mova-o um pouco, relaxe ele, quando ceder o pescoço, parar corretamente a chance dele querer sair corcoveando é menor. Use suas mãos para tocá-lo com empatia, como faz um cavalo amigável e experiente quando se apresenta a ele.
Observe estes princípios na escolarização do potro
– Controle da mente do cavalo, a psicologia é tão importante quanto o físico
– Seja claro nas solicitações
– Ensine uma coisa de cada vez
– Reforce os comportamentos adequados através de uma repetição consistente e recompense ele com alívio e boas palavras num tom de voz brando
– Evite toda e qualquer confrontação
– Use a firmeza ou força apenas necessária para conter uma fuga, sem ser estúpido e sem machucá-lo, como dizendo , sei que você está com medo e não irei machucá-lo, confie em mim, isso é pesado mas necessário nesse momento
– Deixe que ele experimente sua curiosidade natural sobre tudo,cheirar baixeiro (manta),passe nele devagar, cheirar a sela, não jogue a tralha sobre o lombo com estupidez, converse ele quando começar a apertar a cilha.
– Dessensibilize o potro, puxe o loro e estribo fazendo barulho do estalo do couro, sem bater o estribo nele enquanto o contém com a outra mão, mantenha sempre uma das mãos em contato com ele para que saiba qual sua intenção, nunca o pegue de surpresa
– A primeira boa impressão é a que fica, difícil depois de causar dor querer a adesão dele a esse seu projeto (montá-lo) para que ele o aceite como sendo dele também (ser montado) e trabalhar juntos dali em diante.
– Do chão, manuseie cordas passando pelo corpo e patas dele , com ele na sua guia (que pode ser longa),mas para que no futuro entenda que cordas fazem parte
– Ao apresentar a embocadura, faça com suavidade, sem bater nos dentes, de a ele o tempo que precisa para experimentar aquilo, use embocaduras com maior calibre, mais mais finas são as que mais machucam, língua, maxilar, ponta do nariz, boca, focinho são áreas muito enervadas com muita sensibilidade a dor
– No início sempre monte em dois tempos, ficando em pé no estribo, balance em cima sem passar a perna, quando passar não cutuque, aceite ficar um tempo montado parado com ele, para que perceba que não irá doer nem que aquilo é perigoso para ele
– Na primeira volta montado, pode usar um madrinheiro do chão, com uma guia, uma pessoa com boa energia e experiência que estará passando informações de segurança a ele, quando assumir as rédeas trabalhe as primeiras voltas com relaxamento do pescoço para ele ceder a nuca e alongar o pescoço, indo devagar a qualquer ponto do redondel que ele preferir, antes de querer um cavalo pronto, com cabeça colocada, retidão e energia no movimento, ele não está pronto, claro.
– Bons cavalos são como diamantes a serem lapidados, se errar a mão vai quebrar e perder a joia que nascerá daquele processo, é como forjar uma peça de aço no fogo, se errar inutiliza a lâmina ou o ferro.
– Pode passar uma cilha por trás da garupa para ajudá-lo a engajar os posteriores, reunindo ele de trás para frente sem apoiar na boca
– Depois de umas dez montadas de breve duração, encilhe o cavalo e a primeira saída a campo, ou para a rua, procure leva-lo chinchado a um cavalo madrinha experiente que nunca se assusta com nada, nem cachorro, nem gado, nem moto, ônibus ou caminhão.
– Na segunda saída vai desmontado até o meio do caminho e volta montado com o “madrinheiro” do lado esquerdo dele, e ele perto da beira da estrada (mato).
– Depois da decima quinta montada comece o desbaste, o refinamento preparando ele para o uso a que se destina. Na Europa o treinamento propriamente dito começa aos seis anos e dão o cavalo como adestrado e pronto entre dez e doze anos. Aqui, tudo é feito a toque de caixa, o que explica tantos cavalos estropiados de tendão, cheios de ovas aos sete anos, com vida útil curta, isso é tempo e dinheiro jogado fora.
– Nunca, nunca mexa com cavalos novos para provar nada a ninguém, nem a si mesmo, faça sempre do ponto de vista do cavalo, no tempo de cada um.
– Iniciar bons cavalos é uma arte. Toma tempo, cuidado, dedicação, custa caro fazer bem feito e mais caro arrumar o que mãos erradas fizeram antes e mal, não faça o que não está preparado, estude antes, aprenda a ler o animal, mas todos podem fazer, desde que respeitem estes princípios para fazer animais de confiança, seguros e que poderão ser montados por todas as pessoas, experientes ou não.
– Não mexa no cavalo em horas vagas, fazer cavalos é uma opção profissional, enviou ele para escola, acompanhe o que está sendo feito, use bom senso para avaliar, quem diz se as coisas estão indo bem ali é o cavalo, sua atitude de cauda, expressão facial, e quando pronto, monte nele duas a três vezes por semana para consolidar o período da escola.