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Aqui quero compartilhar algumas reflexões a partir do trabalho que realizo com Cavalos, a partir de referências como Ray Hunt, Tom e Bill Dorrance, Buck Branamann entre outros.
Sempre cito esses 4 mestres, porque não foram igualados na sua compreensão da alma, da natureza e da linguagem do Cavalo.
Só a pratica constante e o convívio com dezenas de Cavalos diferentes dia –a-dia nos permite exercitar o “feeling”, a capacidade de ler as necessidades deles a cada momento, a cada novo desafio no trabalho, a vivenciar de verdade que a chave de ouro de toda essa história é que o criador, treinador, deve esforçar-se mais e mais e sempre, para tentar ler o mundo do ponto de vista de cada Cavalo, que são únicos e irrepetiveis.
Não há como ensinar a fazer alguma abordagem com alma, em um DVD, em um livro ou apostila de técnicas, porque técnicas não servem para muita coisa, se faltar a capacidade de ler, interpretar e principalmente sentir a emoção que o cavalo sente naquele instante, principalmente quando falamos de manejo, de saúde e de escolarização.
Quando pegamos uma potra, com histórico de medo e alguma violência, de susto e fuga a cada movimento seu, e entramos com ela em um redondel e logo depois de duas, três sessões vemos ela entrar diferente, vemos ela no começo fazendo um esforço imenso para poder confiar e sentir-se segura a seu lado e pouco a pouco vemos ela superando a fuga, escolhendo a aproximação, isso de verdade não tem o que pague.
Mas, não existe fórmula pronta para nada. Quase sempre o que deu certo com um, não dá necessariamente com outros.
Ou, por exemplo, quando chega a hora de escolarizar um potro (a) de três anos, que teve uma boa história com a gente, desde o nascimento, desde o imprinting e nos deparamos com um animal mais assertivo, mais responsivo e solto, confirmamos que está fazendo sentido o que propomos.
Mas, do mesmo modo, essa criação positiva, não esgota tudo, senão seria fácil demais. E quando o potro, criado do mesmo modo, mas filho de uma égua por natureza defensiva e desconfiada, mesmo tendo sido apartado aos seis meses, e bem manejado, cresce e reage às novas situações do mesmo modo que sua mãe; será a genética com influencia no comportamento? Ou será que esse individuo demanda um tempo próprio, um tempo seu, para começar a responder? Por isso não tem formulas magicas no bom Horsemanship.
Cavalos, cada um deles, me ensinam muito, sobre si mesmos, suas histórias duras ou boas, antes de chegar aqui… curiosamente tenho atraído mais, aqueles que precisam de mais ajuda.
Mas esses cavalos, éguas, potros, me ensinam também, muito sobre seus donos, sobre caráter, índole, personalidade das pessoas que de algum permitiram, consciente ou inconscientemente, que eles tivessem passado por duras provas.
Via de regra, o cavalo não comete enganos, equívocos, ele apenas indica, comunica e pede uma nova solução para ele. Se eu for capaz de entender, interpretar, ler e responder as respostas vem claras, limpas e carregadas de energia, de felicidade.
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Tem sido assim. Cavalos não precisam provar nada, não tem ego a ser satisfeito, apenas são e isso é bom demais. Nesse particular ensinam às pessoas que é preciso trata-los de igual para igual, e se transportarmos isso para nossas relações, ensinam humildade.
Já seus donos, ex-donos, ao contrário “jogam para a torcida”…como se diz na gíria.
E com isso, ao ler e compreender um cavalo, quase que clinicamente, recebo muita informação sobre os donos, comportamentos, compromissos, vaidades, exibicionismo social, às custas do Cavalo.
Eu já escrevi um artigo (neste site), sobre o que significa a decisão de ter um cavalo. O titulo já clareia: ter um cavalo é assumir encargos de enormes responsabilidades. Tal qual um filho, que tem necessidades não materiais a serem atendidas. Resumindo: cavalos pedem donos responsáveis
e C_O_M_P_R_O_M_E_T_I_D_O_S com eles.
Assim, como troca de idéias, sem qualquer pretensão de posar como dono da verdade, vou ensaiar uma crônica e falar sobre o que os cavalos me ensinam sobre as pessoas:
– É muito gratificante ver como o Cavalo é um veiculo de superação pessoal. Donos que honram seu compromisso e vivem uma troca efetiva com seu cavalo. Aprendem, estudam, evoluem, agreguam novidades e mantém o foco no bem estar do seu equino. Vibram com cada vitória ao lado do seu Cavalo, e constroem esse caminho de crescimento juntos. Esses são os que fazem valer a pena todos os esforços.
– O mais divertido são os participativos, chova ou faça sol estão com seus animais, observam comportamentos, mostram que estão no caminho de treinar seu “feeling” pessoal, comentam, assumem tarefas, gostam de recompensar seus animais com banhos e duchas depois do trabalho, vivem o clima das cocheiras e sentem-se bem com essa possibilidade.
_ Há o dono que mantém uma “distância higiênica”do cavalo. Postura mais comum em certos esportes hípicos, o cidadão chega à pista liga para a cocheira pede que tragam o cavalo selado, ja de luva, nao tem efetivamente um contato com o Cavalo. Usa, liga ao tratador e o devolve sujo e suado.
– Há outro extremo, o dono “tatibitati” – aquele que diz amar o Cavalo, mas entende que deve relacionar-se com ele como se relaciona com um bebê mimado, coloca-se como supridor de cada vontade (desejo) que ele, dono, imagina ser do Cavalo e trata de supri-lo. Dirige-se ao Cavalo na linguagem que adultos usam para estragar suas crianças… o tatibitate… (nhém, nhém nhém, meu bebezão, fofão, gostosão, neném da mamãe…) e não de igual para igual, não esforça-se para compreender a natureza do equino e seu papel na natureza e na nossa vida, e tentar, mesmo por um instante, ver o mundo do ponto de vista do Cavalo e assim promover o bem estar e o que faz sentido na mente do Cavalo.
É cenourinha com mel, maça com torrão de açúcar, mamão e melancia, rapadura, e por ai vai. Cavalos não atendem ao mesmo código de reforço positivo que um cão. Sua natureza é de predado, e eles querem sentir-se seguros e poder confiar nas pessoas. Claro que aceitam as guloseimas, porque são saborosas, mas não correlacionam naturalmente com respostas e comportamentos. Há quem diga o contrário. Pegue então um animal agredido, xucro, de fuga à flor da pele e tente escolariza-lo desse modo. É chão, contusões, “manotaços”, coices etc. Creio mesmo que alguns “show horses”, mistificadores, são responsáveis por isso.
-Outro tipo faceiro que vez por outra aparece nos ranchos é o que faz declarações, juras de amor pelo Cavalo, “que o ama, que quer o melhor para ele”, “por isso estou trazendo ele aqui para um manejo diferente”… mas, que passam um ano e visitam o cavalo duas vezes de duas horas e duas vezes de quarenta minutos.
Amor, estranho amor, nem um de nós e menos ainda o Cavalo querem esse tipo de amor, que faz mal, abandona, não assume responsabilidade com o Cavalo e nem se dispõe a aprender com ele, melhorar sua equitação, nada. Limita-se a pagar as baias. “ Ah! eu sei que ele está bem”.. consciência fica em paz. Ora, porque investiu e comprou um cavalo então? Podia comprar uma moto, uma moto náutica, uma super bike, esses ficam lá, quase nada pedem e os atendem quando solicitados.
– Nessa linha há os que fazem um baita discurso de amor, trazem o cavalo, e além de sumir, sabem que o nosso compromisso é com o Cavalo e não com os donos, e ai param de pagar, ora por meses, ora por quase um ano, ou senão atrasam de modo contumaz todos os meses, o único compromisso que o ligava ao seu cavalo era o de pagar a pensão. Mas o Cavalo dele come todos os dias, entre 3 e 5 vezes por dia, dependendo do uso… “ aH, mas lá onde ele tá… eles amam o Cavalo” e aí ainda escrevem .. “ me mande fotos do Cavalo”…
-Há os que têm seus desafios e problemas lá fora, como todas as pessoas sem exceção, mas na sua visão, os seus problemas são os maiores, os mais difíceis e mais agudos que os dos outros. Estes deixam transparecer que o Horsemanship deve ser uma “equoterapia” para humanos e ao trazer seus diversos problemas para onde o cavalo passa a viver, se fazem de vitimas das varias situações da vida e emendam isso com um pedido do tipo… “dá para pagar menos?”… ou pago quando puder? Outro dia mesmo um cidadão disse ter seis cavalos e queria hospedá-los no Rancho. Ao saber do custo da pensão falou com muita naturalidade: – Há mas são seis, Voce tem de dar um desconto… ora, são seis bocas, seis camas, seis vezes mais escovações, mais trabalho, portanto não tem como aplicar ganho de escala nisso.
– Nessa mesma linha estão os que, além de tudo, acrescentam à sua conduta o fato de não assumirem nenhuma responsabilidade sobre tudo que aconteceu de ruim ao seu animal antes de traze-los a locais mais sérios e comprometidos. Já vi casos escabrosos, diversos, que também ensinam… pela dor. Vi égua chegar aqui pele e osso, (hj não aceitaremos mais animais assim por tudo que isso pode representar ao organismo e metabolismo do equino), com cascos podres, com síndrome de dança do urso, … dizendo apenas, olhe como ela ficou lá onde estava.. e você bem intencionado se for distraído, julga… que absurdo …isso são maus tratos…mas não da outra cocheira, e sim dele que como dono nem observava seu Cavalo. Só com o tempo descobrimos que o dito cujo havia ficado 9 meses sem pagar o local e em muitos locais, “se não pagou um mês, a comida é cortada”. A maioria dos locais toma ou vende o cavalo abandonado para quitar a divida, mas para mim é inaceitável tirar a comida do Cavalo que como sempre digo, não tem culpa do dono que tem.
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Vi também animal com 9 anos, sem poder comer porque sua boca nunca tinha tido os dentes sequer grosados, em toda a vida, eram pontas e feridas por todos os lados, na língua etc… éguas que já tinham tido cólicas e isso nunca foi devidamente dimensionado e descrito pelos proprietários, sem ter recebido qualquer vacina, com doenças neurológicas e ao nos depararmos com situações criticas temos de ouvir… “ – vocês sabem do nosso amor por ela”???
– Há o dono de cavalo que faz o tipo “não to nem ai, cavalo é para ser usado”, se não fizer o que quero, “sento-lhe o relho”, esses convivem mal, mas convivem com o cavalo. Felizmente podem aprender… mudar de atitude, melhorar em vários sentidos, graças a terem adquirido uma compreensão do que é um Cavalo, do que é ter um Cavalo, verdadeiramente. Como gostam de montar, e de fato gostam de viver momentos com seus animais, esses são difíceis no começo, mas são bem melhores de conviver que o do tipo anterior.
Felizmente, nessa jornada com o Cavalo, nas ultimas décadas, os casos mais positivos são maioria, mais fortes e que demonstram como o cavalo faz bem aos humanos .
O compromisso com o Cavalo, para mim, implica sim em reeducar, sensibilizar e promover mudanças no comportamento e na relação entre os donos de cavalos, seus animais, os profissionais que lhes atendem e o contexto de um projeto que se propõe a ser um núcleo de conhecimento sobre a Natureza do Cavalo.
Um Programa Mínimo para Proprietários
A mudança ocorre naturalmente, sem conflitos, na medida que essas pessoas entenderem:
a)O cavalo pede pessoas verdadeiras
b)O cavalo pede ações constantes em prol de seu bem estar (não só em discurso)
c)O cavalo exige compromisso e comprometimento com suas necessidades diárias desde as mais simples, baia ampla, seca e limpa, agua fresca a vontade , volumoso de qualidade e concentrado adequado às suas necessidades, passando pelas rotineiras, escovação e rasqueamento, casqueamento e ferrageamento mensal, vermifugação trimestral, grosagem de dentes anual, vacinação anual, até as mais complexas como…
d)vinculo afetivo e compreensão dos sinais que ele nos dá.
e)Uso de equipamentos profissionais de boa qualidade e e em bom estado, que custam um valor razoável, inclusive quando tem de ser reformados ou readequados.
f) Programa de treinamento, uso e trabalho de chão e montado mais de uma vez por semana. Quer ter um cavalo? Você irá montá-lo regularmente? Está disposto a conviver com ele? Se não for assim, não o tenha.

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Claro que se o seu cavalo começasse a emagrecer sem justificativa aparente, começasse a ter hábitos incomuns em comparação com outros equinos, algo teria de ser feito, e um dono responsável e consciente ao chegar onde vive seu cavalo deveria observar isso com quem ele contratou a hospedagem. Mas isso só pode ser feito se os donos comprometidos estiverem regularmente com seu Cavalo.
Portanto se é para ter um cavalo pela metade, sem compromisso, sem meios, sem possibilidade material ou pessoal ou emocional de atender esse programa mínimo, acima, NÃO TENHA UM CAVALO, eles não merecem e não precisam de donos assim.
Sem a menor pretensão de ditar regras de conduta, felizmente para a maioria das pessoas com que nos relacionamos em função do Cavalo, essa compreensão aumenta ano a ano. Para o bem do Cavalo em geral, da qualidade de vida deles e da felicidade que eles podem dar a seus donos, eles pedem isso.

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