A proposta deste artigo é abrir um debate comentado sobre as principais profissões do agronegócio cavalo, envolvendo aspectos práticos das responsabilidades envolvidas em cada uma, questões da rotina, os desafios da qualificação e sobretudo a necessidade de regulamentação federal de pelo menos dezoito profissionais do setor. Inauguramos com uma figura central nos haras e centros hípicos. O domador, ou Iniciador como chamamos hoje.
DOMADOR: o primeiro mestre
Poucas vezes se reconhece o importantíssimo trabalho de um profissional que não apenas coloca os movimentos naturais de um cavalo senão que o prepara para ser uma montaria segura e confiável. Uma figura imprescindível no mundo do Cavalo.
Quando alguém que desconhece o mundo do cavalo adentra pela primeira vez nele e se aproxima de um destes poderosos animais, a primeira coisa que faz é deixar uma distância prudente que lhe permita fugir, como se isso fosse necessário, dada a insegurança que pode tomar o ser humano, acostumado a ter tudo sob seu controle a um clique, quando se coloca ao lado de um ser quatro ou cinco vezes maior.
Outro fator que causa vertigem nos iniciantes é ver como os mais experientes, tratadores e treinadores manejam os eqüinos de igual para igual com muita naturalidade, como se falassem (e de fato falam) o mesmo idioma, sem qualquer traço do seu medo.
Apesar do quanto misterioso isso possa parecer, os que manejam diariamente o cavalo, fazem isso com muita naturalidade, quase inconscientemente. Cavalos são animais de fuga, já comentamos isso em alguns lugares, que eles têm medo do medo de quem se aproxima deles assim, e mais, lembre-se que o cavalo tem direito a usar seu instinto de auto – preservação, quando o Homem se aproxima. Freqüentemente assumimos ao longo da história o papel de predadores e isso está gravado em seus genes.
Mas, quase todos os cavalos que acessamos em Haras, sítios, cocheiras, Hípicas não estão em seu estado natural. Passaram quando jovens pelas mãos boas (ou não) de um iniciador (domador), seu primeiro mestre e ele guarda consigo todas as memórias daquela iniciação.
O primeiro mestre do Cavalo deveria ter realizdo um cuidadoso trabalho adequando seus movimentos, suas respostas, preparando-o para a parceria com o Homem, seja para o uso no trabalho, no esporte ou no lazer. E de fato, sem o trabalho do primeiro mestre, sem a tarefa central deste profissional não seria possível utilizar o cavalo.
INICIAÇÃO E FORMAÇÃO
Aqui, como defensores do Horsemanship ou da escolarização gentil, não usamos o termo “Doma” freqüentemente associada à submissão. Tratamos de escolarizar ou iniciar o potro. Mas, o senso comum ainda define a figura do profissional –o domador. Para nós essa atividade exige pessoas vocacionadas, que antes de qualquer coisa devem amar e compreender a natureza do cavalo. Que sejam capazes de assumir a responsabilidade pela conformação mental e psicológica do Cavalo quando sair de suas mãos e estiver com qualquer outra pessoa, iniciada ou não, adulta ou jovem.
Normalmente os iniciadores se tratam de pessoas que tiveram oportunidade de crescer com o Cavalo, de ter contato com eles desde bem jovens, ou que tenham muito tempo de trabalho como o cavalo.
O iniciador ou domador deve ter vivenciado e experimentado centenas, milhares de situações e momentos, bons e não tão bons, devem ter um conhecimento natural e orgânico do Cavalo, devem saber ler o cavalo, respeitar seu tempo e saber solicitar o que querem que o cavalo faça, sabendo o exato instante de aliviar a pressão.
Tem que ser profissionais que já sabem pela prática que não se consegue nada de definitivo ou duradouro destes animais, pela força, pela violência, que já foram capazes de conquistar a confiança do cavalo para que ele não se sinta ameaçado ao seu lado e não precise querer fugir de baixo do cavaleiro na primeira monta.
Aqui, comemoramos cada cavalo iniciado, montado depois do trabalho de base, que aceita ser encilhado solto ao nosso lado, sem querer sair de perto, que aceita a sela, a primeira embocadura, sem fugir, sem dar um pulo e rimos da falsa valentia daqueles que “se gabam” de ter ficado em cima, depois de um cavalo lutar até esgotar suas forças para tirá-lo de cima. Quanto dano à mente do cavalo esse “profissional” causou para ter do que se vangloriar.
Também dois outros ingredientes básicos completam o menu da Iniciação: a paciência e o tempo. O bom iniciador não quer submeter, mostrar quem manda, não tem que provar nada a ninguém. O bom iniciador “Lê” o cavalo, respeita seu tempo de resposta e então dá as diretivas de ação.
LISTA DE TAREFAS
O Domador de cavalos é aquele profissional que maneja o potro desde recém nascido, faz o “imprinting”, informando a ele que faz parte do seu mundo e que isso pode ser bom para ambos, e desde cedo o prepara para o contato diário e bom com o ser humano. O objetivo da doma inicial é estabelecer uma boa comunicação e confiança entre o cavaleiro e seu cavalo.
Deve ensinar o potro a ser conduzido à guia e a permanecer quieto ao seu lado para escová-lo, um momento bom, ou para que o ferrador cuide de seus pés. Aos dois anos e meio ou três, quando adolescente tem inicio o trabalho de base, com a conjunção no redondel, trabalhando livre e ou à guia longa (“ground work”) se coloca o selote de doma as rédeas auxiliares, começa o charreteamento para fazer a musculatura da nuca e a boca do potro e para que em seguida ele se acostume a ter algo sobre sua garupa.
Também se deve acostumá-lo, sem a falsa urgência e pressa que alguns se obrigam a fazer, ao trabalho diário, montado, ao refinamento dos movimentos, dirigindo-o para a modalidade para a qual está sendo preparado. Esse trabalho bem feito pode durar até os quatro anos, quando o cavalo estará escolarizado, atendendo todos os comandos básicos, fazendo por si, sempre a escolha correta, pois terá aprendido que assim a pressão é aliviada.
Também é tarefa do profissional iniciador ou domador a reabilitação da confiança perdida por cavalos mal iniciados por outros, aqueles que tentam fugir de todo tipo de contato, os que resistem com força às solicitações, aqueles que se defendem do ser humano. Estes cavalos ressabiados são eqüinos que sofreram algum tipo de trauma e que, por causa disto, desenvolveram problemas na hora de trabalhar. Nestas situações é o domador quem se encarrega de recuperar o cavalo, de permitir que ele recupere a confiança nas pessoas.
TIPOS DE DOMA
Pode-se resumir que tem a bem feita e a mal feita. Mas, didaticamente, podemos classificar em duas linhas básicas a abordagem da iniciação: a doma natural (sem ajudas artificiais) e a doma convencional (com ajudas artificiais). Sobre a doma natural, cabe dizer que nas últimas décadas ela tem sido utilizada cada vez mais, em função do maior conhecimento sobre a natureza, comportamento, padrões de respostas e a linguagem natural do cavalo. Nessa escola, o tempo é o do cavalo. Nessa abordagem, no redondel estão o homem e o cavalo, sem qualquer outro instrumento, equipamento ou forma de contenção. O resultado obtido é sólido e duradouro.
Sobre a doma convencional, suas respostas são mais rápidas e o cavalo pode ser montado em menos de um mês, em condições normais, por isso ainda é mais utilizada, também porque “dá menos trabalho” no sentido de que exige menos comprometimento para merecer a liderança natural do cavalo que tem menos opções de posicionamento ante o seu iniciador, ou ele escolhe colaborar ou escolhe colaborar, de um jeito ou de outro.
Por outro lado, depois do básico que é aceitar sela e cavaleiro e aprender os comandos básicos, as ajudas de pernas, etc, se abre um período de especialização para aperfeiçoar o cavalo em função da disciplina a que se dedicarão. Assim, não será a mesma coisa preparar na segunda fase um cavalo de passeio, trabalho, esporte, enduro, hipismo clássico, CCE ou outra modalidade e isso é assunto para os mestres em cada modalidade.
INFRA-ESTRUTURA NECESSÁRIA
A infra-estrutura que necessita o trabalho de iniciação e doma é a mesma que necessitamos em qualquer haras ou hípica. Baias, redondel, lavador, piquete e pista e os equipamentos básicos, o selote de doma, a rédea longa, embocaduras leves, selas, baixeiro, rédeas e cabeçadas, cabrestos e cabos para trazê-los à guia, condições de asseio e limpeza após o trabalho, boas escovas e rasqueadeiras.
É muito útil que o primeiro mestre, o iniciador, domador, tenha conhecimentos práticos de primeiros socorros, noções de fisiologia animal, de ferrageamento, assim como conhecimento sobre o comportamento e atitude mental do cavalo.
CUIDADOS COMPLEMENTARES
O domador, como primeiro mestre não pega o cavalo escovado do tratador e o devolve sujo e suado para só retornar no dia seguinte. Ele participa da higienização do animal, o leva ao piquete de pastejo, podendo permanecer ao lado dele parte do tempo. O domador pode também passar o trato alimentar, o concentrado, deve escová-lo e nesses momentos conversar com o cavalo, habituá-lo com sua voz calma e firme, associando sua presença a bons momentos para os dois.
Fazendo isso, o iniciador vai conhecer de perto, vai ter mais oportunidades de ler o cavalo, observar suas reações a tudo que ocorre, quando junto de outros cavalos, em sua baia, sempre seca e ventilada.
O MELHOR E O PIOR
A profissão exige empenho, dedicação e amor de fato pelos animais. Devem ter perfil calmo e centrado, serem pessoas bem resolvidas, sem necessidades de provar nada a si mesmos ou aos outros, deve ter orgulho de entregar potros e cavalos bem confiáveis e serenos, prontos para todas as pessoas, independente do nível de equitação, cavalos calmos e colaboradores. Quando um criador, um ginete, um jóquei confia seu cavalo a um domador, espera que lhe seja devolvido sem vícios, sem atitudes defensivas . O bom domador faz isso.
O pior da profissão são os encontros desafiadores com cavalos traumatizados, agredidos, que receberam maus tratos e que agora devem ser refeitos desde a base. O “horsemanship” é a melhor abordagem para isso.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Formar-se como domador no Brasil e em outros países é ainda complicado. Atualmente não existe uma instituição de ensino regular, que receba um jovem que goste de cavalos e queira formar-se como domador e o devolva ao mercado com um diploma e com horas de prática e a devida autoconfiança.
São várias as opções de escolas livres, cursos em haras e núcleos de “horsemanship” com cursos entre 18 a 72 horas de prática, uma variedade de cursos de tratador, de gestor, de primeiros socorros, mas que são caros e exigem um investimento em deslocamento e hospedagem, e dependem do auto – didatismo do futuro profissional.
As clinicas, os cursos particulares ajudam e aí depende muito da visão e abordagem do especialista escolhido, da escola a ser seguida. A regulamentação desta e de outras dezenas de profissões do agronegócio cavalo irá abrir espaço para uma formação sistematizada e completa, com currículo padronizado e provas especificas para termos um domador-iniciador certificado no Brasil.