Antes de debater embocaduras – vamos entender melhor o trabalho montado. Há um ano publiquei o texto “Cuidados para fazer a boca do cavalo”, no qual trato da importância do charreteamento feito do chão com rédeas longas, para fortalecer a musculatura da nuca e do pescoço e fazer a boca do cavalo, desde cedo.
Além da escolha do melhor bridão, (recomendo sempre o uso de embocaduras leves e menos agressivas), desde que o cavaleiro/amazona, trabalhe melhor a qualidade da sua equitação, o seu equilíbrio e o trabalho consciente da ajuda de pernas.
É muito comum, infelizmente, o cavaleiro pedir uma coisa com as pernas e outra com as mãos, desorientando o cavalo e daí em diante passa a reclamar do cavalo, “que não atende, que é quente”, e pede: – “qual embocadura mais forte para controlar melhor o cavalo?”
Ora, evidente que se continuar a cometer o mesmo erro, o de pedir uma coisa contraditória não vai adiantar querer passar a freio-bridão, falar em 4 rédeas, depois um freio água choca, depois um ainda mais fino e portanto mais agressivo e esse circulo vicioso só terá fim, quando terminar por vender o cavalo, considerado por ele um queixo duro, sem utilidade.
O erro sempre teria sido do cavalo? Ou ele foi estragado por uma teimosia, aliada à falta de preparo e a um orgulho de considerar o cavalo sempre errado.
Aqui temos praticado com diversas pessoas que nos procuram, para obter uma integração cavalo-cavaleiro. Nesses exercicios, proponhom que montem a pelo, e sem rédeas, primeiro em um redondel, e trabalham antes de tudo uma consciência de quais grupos musculares são usados na cavalgada (panturrilha, adutor posterior e anterior das coxas, gluteos, pelvis, região lombar, trapezoidal), depois aprende-se um pouco sobre postura e papel das pernas, para depois colocar uma embocadura e só então selar e sair.
Claro que com maior consciencia, o resultado muda.
Mas, há cavalos que foram prejudicados e já não oferecem segurança em sair à rua com qualquer embocadura. Nesses casos, o cavalo precisará ser “refeito”, buscando apagar da mente as gravações erradas – daqueles que sempre aliviaram a pressão quando ele empinava ou dava manotaços, ou simplesmente se aceitava que o Cavalo, (sem trabalho regular), desse meia volta, sem sair para rua ou pista, apenas quando a montaria apenas ameaçava subir, ou recuar sem querer ir adiante.
Nestas situações, o que o cavaleiro fazia com a rédea? E com as pernas? Nada de efetivo, apenas desorientava o cavalo, para depois reclamar.
Para auxiliar no aprofundamento desse tema, busquei em duas fontes, nos trabalhos de Mário Alino Barduni Borges que é professor de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa, e Juiz de Concursos de Equitação e de Marcha e o do Brigadeiro Luís Almeida Ribeiro, treinador de cavalos P.S.Lusitano.
Vamos começar por entender, o efeito das rédeas, causado por nossa ação com elas e como essas ações são classificadas;
EFEITO das RÉDEAS
Segundo o Brigadeiro Luís Almeida Ribeiro, “ As rédeas actuam por intermédio da mão do cavaleiro. Este deve ter o máximo cuidado em não surpreender o cavalo e empregar as rédeas sem prejudicar nem corrigir a ação das pernas. Insisto neste ponto e repito, porque tenho notado em mim e noutros cavaleiros que o seu emprego e combinação de ação com as pernas não se faz como seria para desejar. Se hoje consigo não estabelecer luta entre a perna e a mão no sentido lateral, no sentido longitudinal já não me acontece assim, tirando muitas vezes excesso de impulsão dado pelas pernas, o que é prejudicial no ensino e vai com certeza estabelecer confusão no espírito do cavalo.
A rédea, como a perna, tem um momento único de atuar. Por aqui se vê a dificuldade de, mesmo numa lição individual, indicar qual a rédea que o cavaleiro deve empregar. Quando chega a indicação já é tarde. O campo de ação das rédeas é vasto.
• Rédea direta é aquela que atua do lado do movimento
• Rédea contrária é aquela que atua do lado contrário ao do movimento.
• Rédea de oposição é aquela que opõe as espáduas à garupa.
Para a condução básica do cavalo, serão três os efeitos de rédeas a serem utilizados com mais frequência, a saber:
Rédea Direta de Abertura: empunhando cada rédea com uma mão, este efeito deverá ser o primeiro empregado no trabalho de adestramento, pois facilitará o entendimento por parte do cavalo com relação às nossas intenções. É chamada de direta, porque a rédea que atua (ativa), está do mesmo lado para o qual se deseja o movimento do cavalo. De abertura, porque se age, “abrindo” a rédea ativa em relação ao eixo longitudinal do animal. A outra rédea (reguladora), como o próprio nome já indica, será a responsável pelo “controle” da intensidade do movimento. Com base nestas ações, o cavaleiro terá recursos para indicar à sua montaria, a direção desejada.
Sobre a ação da rédea direta, o Brigadeiro, orienta: “Seu efeito: o cavalo curva o pescoço para esse lado, dá a ponta do focinho para o mesmo lado e sobrecarrega a espádua desse lado. As pernas actuam igualmente. O cavalo percorre com as pernas a mesma pista que percorreu com as mãos.
Rédea Contrária: Atuando sobre a tábua do pescoço, possui este nome porque impele para o lado contrário o pescoço e espádua do animal, chamada, portanto de mestra da espádua. A rédea contrária direita atuará sobre o lado direito do pescoço, volvendo o animal para a esquerda, enquanto a rédea contrária esquerda terá atuação oposta.
Para condicionarmos o cavalo a atender a este comando, devemos passar a abrir cada vez menos a rédea de abertura ativa e aproximar a rédea reguladora à tábua do pescoço do animal, substituindo gradativamente o efeito desta pelo da rédea contraria. A partir do momento em que o cavalo atender satisfatoriamente ao novo comando, passamos a empunhar as duas rédeas numa só mão, usualmente a mão esquerda.
Essa ação, do ponto de vista do Brigadeiro é a que sobrecarrega a espádua do lado contrário. As pernas atuam igualmente. O cavalo percorre com as pernas a mesma pista das mãos.
Rédea Direta de Oposição: essa expressão quer dizer que a sua ação é a de se opor ao movimento “para frente” do cavalo. Atuando paralelamente ao eixo longitudinal, o cavaleiro traciona a rédea ativa, que bloqueia a espádua do mesmo lado, bloqueando consequentemente a garupa. A mão da rédea ativa age mais alta que a reguladora. Este efeito faz com que a garupa se desvie para o lado oposto ao da ação da rédea, chamada por isto de mestra da garupa. É normalmente utilizado para encostar o animal em porteiras, corrigir um desvio no recuo e também para auxiliar nos exercícios de engajamento dos posteriores.
A Rédea direta de oposição atua paralelamente ao corpo do cavalo. Opõe as espáduas à garupa deslocando as espáduas para o mesmo lado e a garupa para o lado contrário. A perna do lado da rédea atua ativamente; vem em reforço da rédea.
Nesta ação, o cavalo roda sobre o centro de figura. Opõe as espáduas à garupa. Desloca as espáduas para o lado contrário e a garupa para o lado donde a rédea atua. A perna ativa é a do lado contrário. No emprego desta rédea está a chave do avanço do ensino do cavalo. Se esta rédea atuar na direção da anca contrária, o cavalo é deslocado todo para o lado contrário. É a rédea que atua sobre a massa do cavalo.
A rédea de abertura e a rédea contrária atuam sobre o antemão; as rédeas direta e contrária de oposição, sobre a garupa; esta mesma rédea atuando na direção da anca contrária atua sobre toda a massa do cavalo. Como a sua ação tem por limites a rédea direta de oposição e a rédea contrária de oposição atrás do garrote, alguns deram-lhe o nome de rédea intermediária. Atua simultaneamente, e para o mesmo lado, sobre as espáduas e sobre a garupa. Perna ativa a perna do mesmo lado. A outra perna tem uma função importantíssima. É ela que atira o cavalo para diante é ela que o impulsiona.
A outra rédea tem um papel regulador; a outra perna atua ora passivamente ora ativamente porque, como já disse, é essa perna que impele o cavalo para diante. Fixando: A perna do lado do movimento é sempre a perna impulsionadora.
As ações das rédeas foram explicadas supondo o cavalo em andamento. Durante o trabalho o comprimento do pescoço varia segundo a posição, assim varia também o comprimento das rédeas.
Muitos cavaleiros leram em vários livros mão fixa, a perna empurra o cavalo para cima da mão. Leram, é um facto, e ouvem dizer mas não digerem dando o seguinte resultado: Montam a cavalo, separam as rédeas, como é agora moda, tomam um comprimento de rédea e assim trabalham. Resultado: o cavalo fica metido numa forma.
Mão fixa é a mão que não executa movimentos involuntários ou inúteis; por mão fixa não se deve entender a mão imóvel, pelo contrário ela deverá deslocar-se conforme as necessidades. A mão deve estar permanentemente em contato com a boca do cavalo e, como tal, não há comprimento de rédea pré-estabelecido para este ou para aquele trabalho, visto que o comprimento variável do pescoço é que regula o comprimento da rédea.
Trabalhar com rédeas compridas equivale a dizer trabalhar o cavalo com o pescoço estendido. Deve-se trabalhar com as rédeas, o mais comprido possível. Assim o cavalo, não lutando com a mão, tem menor fadiga e não se tolhem suas escolhas e qualidades. O comprimento do pescoço varia conforme a posição. A rédea comprida dá uma liberdade ao antemão tão grande e produz benefícios, que só a prática nos mostra.
Como disse, endireito o cavalo pela frente e agora, já posso acrescentar, endireito-o com rédeas contrárias de oposição, sensivelmente na direção do ombro do lado oposto (rédea direita, por exemplo, atuando na direção do ombro esquerdo).
Os cavalos endireitam-se pela frente com as rédeas e não com as pernas. No caso indicado, o emprego da rédea direita para endireitar o cavalo diz-nos que o cavalo ia com a garupa na esquerda e eu, empregando a rédea direita contrária de oposição, vou colocar-lhe as espáduas à frente da garupa.
A perna esquerda é a perna ativa e daqui sai a confusão de muitos julgarem que estou endireitando o cavalo com a perna esquerda, empurrando a garupa para a direita. O que é necessário é não haver ações opostas de rédea e perna, contrariando os seus efeitos.
O cavalo no começo do ensino não marcha francamente para diante, sendo necessário entalá-lo entre as rédeas e entre as pernas e finalmente entre as rédeas e pernas. Impulsiono com as pernas e a mão recebe e dirige essa impulsão. É a perna que obriga o cavalo a tomar o contato com a mão e não é a mão que vem procurar o contato com a boca do cavalo.
A própria conformação do cavalo assim nos conduz a tal raciocínio. É o pós-mão, pela sua disposição e poder, que impulsiona toda a massa.
Para colocar o cavalo em contato com a mão, obrigando-o a estender o pescoço, posso agir de duas maneiras: Ou dou um comprimento de rédea fixo e obrigo o cavalo a procurar o contato com a mão, ou tomo de início um contato suave com a boca do cavalo e obrigo, com as pernas, o pescoço a estender-se.
Esta última maneira é a que tenho seguido e dela bons resultados tenho obtido.
CONTATO E APOIO
Voltando ao Professor Mário Alino Barduni Borges, “o desenvolvimento de uma correta relação entre contato e apoio exige uma ação mútua entre cavaleiro e cavalo, sendo indispensável ao conjunto para que este consiga atingir uma performance satisfatória no decorrer dos trabalhos de adestramento.
O contato pode ser definido como sendo a comunicação exercida entre as mãos do cavaleiro e a boca do cavalo, promovida pelo cavaleiro através do correto ajuste das rédeas. A importância do contato se deve a necessidade de passarmos os comandos à boca do animal através do correto ajuste das rédeas e para que, a partir deste, o mesmo possa ter “segurança” e “confiança” para apoiar-se adequadamente na embocadura.
O apoio é a pressão exercida pelo cavalo em resposta à ação das rédeas devidamente ajustadas pelo cavaleiro. A necessidade do apoio vem do fato de o cavalo ser um animal debruçado em seus membros anteriores e a presença da sela e do cavaleiro sobre o seu dorso reforçarem ainda mais esta sobrecarga natural. Apoiando-se na embocadura, o cavalo adquire um “ponto de equilíbrio” que lhe permite deslocar com maior naturalidade, confiança e desenvoltura, podendo assim atingir uma melhor qualidade no aprimoramento de seus andamentos naturais (passo, marcha e galope).
Desta forma, chegamos à conclusão de que o apoio deverá ser franco, porém suave, não trazendo desconforto ao cavalo e nem ao seu cavaleiro. Portanto, “podemos afirmar que é tarefa do cavaleiro regular a pressão do apoio a partir do contato exercido pela ação de suas mãos sobre as rédeas”.
DESCONTRAÇÃO DO MAXILAR
Prossegue o professor, “a descontração do maxilar do cavalo é essencial ao trabalho de adestramento para que ele assuma uma atitude correta sem apoiar-se pesadamente na embocadura”.
Para condicionarmos nossa montaria a tal descontração, passamos a “dedilhar” as rédeas com os dedos, promovendo uma massagem nas comissuras labiais e nas barras. Esta ação ocorre alternando-se os momentos de atuar e ceder das mãos, alternando-se também o lado da ação. É importante que as mãos do cavaleiro atuem em sincronia com o ritmo do movimento do cavalo. A resposta apresentada a esta ação será a descontração do maxilar do cavalo, manifestada através do ato de mascar a embocadura, o que ocasionará intensa salivação com consequente relaxamento da mandíbula e alívio do apoio.
ATITUDE
Já sabemos que a presença da sela e do cavaleiro sobre o dorso do animal reforça a sobrecarga natural que o mesmo apresenta em seus membros anteriores, a ponto de mudar seu centro de gravidade original. No adestramento, buscamos através da obtenção da atitude, devolver ao cavalo o seu “equilíbrio natural”, ou seja, reequilibramos o cavalo e o conjunto, permitindo a execução das figuras na pista com desenvoltura, elegância e naturalidade, sem briga, sem confrontação e dor.
A obtenção da atitude se manifesta através do posicionamento específico de algumas regiões zootécnicas do cavalo, promovendo algumas mudanças de postura em seu corpo, a saber:
Elevação da Base do Pescoço: Ocorre através do aumento da impulsão, com a projeção do cavalo para frente e a consequente resistência das mãos nas rédeas. Desta forma, obtemos uma maior sustentação do pescoço, que se eleva e se arredonda, encurvando-se para deixar o nariz perpendicular ao solo, chamamos popularmente, fazer o cavalo “colocar a cabeça”.
Flexionamento da Nuca: Também ocorre em função do aumento da impulsão e resistência das mãos. Através de uma correta descontração do maxilar, o cavaleiro tem recursos para mobilizar a cabeça do cavalo, ajustando-a para trás com consequente recuo em seu ponto de equilíbrio.
Engajamento dos Posteriores: Quando o cavalo flexiona a nuca ocorre o estiramento do “ligamento nucal”, o que promove um arqueamento dorsal da coluna, tornando-a mais flexível tanto longitudinalmente, quando lateralmente. Este arqueamento resulta no abaixamento das ancas e consequentemente no maior engajamento dos membros posteriores, trazendo para ele parte da sobrecarga do antemão. É quando ele coloca o posterior debaixo da massa e seu “motor”, empurra para a frente.
A atitude a ser assumida pelo cavalo irá variar em função do grau de reunião necessário para a realização das figuras a serem executadas. O importante é termos consciência de que a atitude, principalmente a mais reunida, requer um grande esforço muscular e, portanto, a sua permanência por períodos prolongados irá causar um grande desconforto para o animal.
Devemos procurar condicionar corretamente a nossa montaria; aquecer devidamente sua musculatura no inicio do trabalho; evitar a atitude por períodos prolongados e promover no início, no final e em intervalos ao longo das sessões de treinamento, o exercício de extensão do pescoço.
EXTENSÃO DO PESCOÇO
Utilizamos este exercício para promover um relaxamento dos músculos requisitados na obtenção da atitude, responsáveis pela elevação da base do pescoço e da postura flexionada da nuca. Sua indicação se dá em diversas fases do trabalho montado: no início da sessão, para promover o aquecimento; durante a sessão, em intervalos que iram variar em função do grau de reunião dos exercícios e do condicionamento do cavalo; ao final da sessão para promover o alongamento necessário antes de encerrarmos o treinamento e desmontarmos do animal.
Solicitamos a extensão do pescoço do cavalo, através do “dedilhar das rédeas” com consequente descontração do maxilar e busca do apoio por parte do animal.
Neste momento, o cavaleiro cede as mãos, fazendo com que o cavalo estenda continuamente o seu pescoço na busca de um apoio impossível. (vide figura e comentários do Brigadeiro, ilustrando acima).
A manutenção de um leve contato é indispensável para que o cavalo continue a buscar constantemente este apoio e não interrompa a execução do exercício.
O objetivo desta tarefa não se restringe somente à extensão do pescoço, mas a um completo alongamento da coluna vertebral do cavalo, extremamente sobrecarregado nos trabalhos montado. Este exercício, se utilizado corretamente e de forma rotineira, irá permitir uma manutenção da atitude por períodos cada vez maiores, além de preservar a integridade física do cavalo, prolongando a sua vida útil.
SENSIBILIDADE
Como último tópico a ser abordado gostaria de ressaltar a importância de o cavaleiro procurar desenvolver a sua sensibilidade, chamada no Horsemanship, da sua capacidade de “ler” o cavalo. Uma qualidade tão necessária na execução de uma correta avaliação das “reações” apresentadas pelo cavalo no decorrer dos trabalhos de adestramento.
Também é imprescindível que o mesmo utilize o bom senso na hora de programar as sessões de treinamento a serem impostas ao animal.
Não se entra em um piquete, pista ou redondel sem um plano de trabalho. Essa responsabilidade é do treinador. Onde estamos? Para onde queremos ir? Que ações nos levarão a esses objetivos? Em que tempo? Respostas que o trabalho em parceria com o Cavalo irão mostrar.
Saber identificar as “qualidades” e respeitar as “limitações” de cada Cavalo são qualidades que somente serão aprimoradas com base nos conhecimentos adquiridos ao longo dos anos e na experiência acumulada através do contato diário com este nobre animal, o nosso cavalo marchador.